- PROGRAMA "DIÁLOGO ABERTO" -
Entrevistas sobre temas sempre importantes.
De segunda a sexta-feira, das 11 às 12 hs.
Produção: Terezinha Jovita
Apresentação: Regina Trindade
Ouça aqui: http://www.rtv.es.gov.br/web/player_radio.htm

domingo, 3 de julho de 2011

Tragédia da Vila Rubim - a reportagem que um pastor não permitiu.




Primeira parte do documentário
"Marcas da Vila".
O filme informa que quatro pessoas morreram na tragédia,
mas ainda hoje acho que foram mais. 

Vitória, 1.º de julho de 1994. Era uma sexta-feira. Dia do lançamento do Plano Real, de autoria do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Começavam a circular oficialmente em todo o país as primeiras cédulas e e moedas do Real. Eu trabalhava como repórter para a Rádio Vitória. Estava na sala do departamento de jornalismo da TV Vitória, aproveitando meu horário de almoço e conversando com o jornalista Ruy Monte para traçarmos planos para reportagens sobre a repercussão do lançamento da nova unidade monetária no Espírito Santo.
Eram 12h15m quando ouvimos o som de um avião que sobrevoava o centro da cidade. Estávamos no sétimo andar do Edifício Buaiz, relativamente próximo da Vila Rubim. De repente ouvimos o que parecia ser - e de fato era - uma grande explosão. De uma das janelas, observávamos, assustados, a fumaça que tomou conta da atmosfera e uma luz fortissimamente avermelhada, como se um incêndio de enormes proporções estivesse consumindo toda a Vila Rubim. 
Houve queda de energia. Eu estava com meu gravador numa das mãos, e desci o mais depressa que podia, pela escada  mesmo na escuridão. Quando cheguei à rua, deparei-me com uma situação que mais parecia uma cena de um daqueles filmes de Stephen Spielberg: as avenidas Governador Bley, Jerônimo Monteiro e Mascarenhas de Moraes ("Beira-Mar"), estavam tomadas por homens, mulheres e crianças que corriam, choravam e gritavam desesperadamente. Muitos nem sequer tinham noção de para onde estavam indo. Viaturas policiais, do Corpo de Bombeiros, ambulâncias... enfim, o centro da cidade estava um caos assustador. 
Em meio às pessoas que corriam desesperadamente, eu também tentava correr, mas em direção à Vila Rubim. Quando lá cheguei, todo o pavilhão do Mercado da Vila Rubim estava em chamas. "Pelo menos já sei que o avião não caiu", pensei, "mas está acontecendo uma tragédia aqui." Os bombeiros que atuavam no local colocaram uma corda de isolamento em torno da área. Eu disse a um deles que era repórter e estava ali a trabalho, e ele me respondeu: "Tudo bem, pode passar, mas lembre-se que se algo acontecer com você, teremos dificuldades em socorrê-lo". "OK", respondi, "mas tenho que fazer meu trabalho". 
Finalmente eles me informaram o que havia ocorrido. Numa loja onde eram vendidos fogos de artifício, os fogos estavam guardados sem qualquer condição de segurança e as instalações elétricas eram repletas de "gatos" - instalações clandestinas e mal feitas também conhecidas como "gambiarras". Houve um curto-circuito, centelhas atingiram as caixas com os fogos de artifícios e estes explodiram como bombas poderosíssimas, no momento em que um restaurante que funcionava no mesmo pavilhão estava repleto de clientes e muitas pessoas faziam suas compras nas várias lojas. 
Usando o telefone público mais próximo (na ocasião eu ainda não dispunha de telefone celular), liguei para o telefone do estúdio da rádio para entrar no ar com um "flash". Estava no ar um programa da Igreja Universal do Reino de Deus, que comprava o horário da Rádio. O operador de som me informou que não podia me colocar no ar porque o pastor que apresentava o programa não permitiu a interrupção. 
"Mas você disse a ele que é um flash sobre uma tragédia que ocorreu aqui na Vila?" - perguntei. "Disse", ele respondeu, "mas o pastor está irredutível". 
Outras explosões ainda ocorreram enquanto eu estava lá, mas apesar de todos os riscos que eu estava correndo para fazer fazer o meu trabalho, o tal pastor não me permitiu cumprir minha obrigação. Lembrei-me do convênio que havia entre a Rádio Vitória e a Rádio Bandeirantes (São Paulo, SP). Liguei para a Bandeirantes, e a minha amiga Karen Funches, jornalista capixaba que trabalhava lá, colocou-me no ar. Enquanto eu narrava o que ocorria, mais explosões ocorriam. Foram cinco ao todo. A cada explosão, mais pessoas corriam para todo lado. Karen gritou para mim, ao telefone, "Elias, pelo amor de Deus, sai daí!". "Não se preocupe, eu estou bem!" - respondi. Após ter dado o "flash", desliguei e saí dali. Vi as equipes de resgate colocando feridos nas ambulâncias, e estas saíam em seguida, o mais rápido que podiam. Caminhões, ônibus e outros veículos que entravam no centro de Vitória por ali estavam sendo orientados por policiais para contornarem pela Ilha do Príncipe, pois novas explosões mais fortes poderiam ocorrer a qualquer momento. E houve. De acordo com informações oficiais, houve quatro mortes, mas ainda hoje acredito que houve muito mais.
Finalmente, cheguei à sala de jornalismo da Rádio Vitória suado, com a roupa toda suja de cinzas molhadas pelo suor, e fiz o meu relatório informando que o meu flash foi ao ar através da rádio Bandeirantes em São Paulo, mas não consegui falar através da Rádio Vitória porque o pastor não permitiu. 

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